A visão de administração eclesiástica de Gunnar Vingren e Lewi Pethrus para As Assembleias de Deus no Brasil
Eu e o pastor Joel Wright (de Chicago) estamos finalizando o Capítulo 7 do livro sobre o pentecostalismo escandinavo americano, que será publicado em inglês em 2024, pela Editora da Universidade de Illinois, EUA. Temos à nossa disposição um site na internet para pesquisas, com dezenas de jornais e publicações nos idiomas inglês, sueco, norueguês e finlandês.
Enquanto estávamos pesquisando sobre Gunnar Vingren e Daniel Berg, nos deparamos no jornal pentecostal editado em sueco e divulgado nos Estados Unidos e na Suécia por A. A. Holmgren[1], Sanningens Vittne (A Testemunha da Verdade), edição de abril de 1927, com um assunto que eu havia lido em 2008 numa edição do jornal pentecostal sueco Evangelli Härold de 1930.
Os irmãos pentecostais na Suécia e na América presumiram que a obra no Brasil [Assembleias de Deus] havia se organizado como uma denominação – uma grande preocupação para os pentecostais escandinavos que defendiam ferozmente a autonomia da igreja local.[2]
Então, o missionário Gunnar Vingren escreveu uma explicação com cinco pontos em defesa dele e dos demais missionários suecos atuando no Brasil, que foi publicada na página 7 do Sanningens Vittne de abril de 1927.
Abaixo, uma tradução da explicação de Gunnar Vingren:
Irmão G. Vingren escreve e agradece os fundos enviados a ele e diz: "Há alguns dias, Jesus aqui batizou três no Espírito Santo e eu tive que batizar 10 na água. Um menino que foi mordido por uma cobra venenosa, Jesus curou. Foi a mãe do menino que orou por ele. Aleluia!"
Explicação:
Devido ao fato de alguns amigos da Suécia e da América acreditarem que nós aqui no Brasil nos organizamos [formamos uma denominação], eu quero dar uma explicação.
1. Primeiramente, gostaria de dizer que estou na mesma posição de quando vim para o Brasil em 1910, continuo com o mesmo método de trabalho. Não acredito no registro [de rol de membros] como condição para ser membro da Assembleia de Deus, mas só tenho aqui uma agenda de endereços para saber onde moram os membros. Eu nem sei quantos membros tem na nossa assembleia aqui no Rio de Janeiro. Eu acredito que deve haver comunhão no Espírito para pertencer à Assembleia de Deus.
2. Chamamo-nos aqui de "Assembleia de Deus" = Guds Församling [sueco], porque consideramos essa palavra bíblica. Além disso, tínhamos que ter algum nome, porque nos perguntaram sobre o nome da congregação quando começamos nosso trabalho neste país. E além disso, porque o irmão William Durham de Chicago, que nos ordenou,[3] chamou sua congregação de "Assembly of God" = Assembleia de Deus, parecia-nos natural que quiséssemos estabelecer o mesmo nome, mas porque era realmente verdade que nós que cremos no batismo no Espírito Santo, somos Assembleia de Deus. E o motivo pelo qual nos registramos no Estado aqui foi apenas para obter direitos legais.[4] (Em certa ocasião, no Pará, uma associação dos socialistas foi dissolvida porque eles não eram registrados no estado.) Agora, se alguns irmãos na Suécia e na América entenderam mal esse relacionamento e declararam que temos uma denominação aqui, protestamos contra isso e, por meio desta, desejamos declarar que somos igrejas livres,[5] queremos ser guiados apenas pelo Espírito Santo e cremos que somente o Espírito Santo deve ser o líder na assembleia.
3. Cada assembleia aqui é independente da outra e não pode decidir uma sobre a outra. Nem um irmão pode governar o outro em nenhum aspecto. Mas só temos em comum a preciosa fé de Jesus e as preciosas promessas que nos são dadas na Bíblia.
4. Reconhecemos apenas uma cabeça para a igreja, a saber, Cristo e queremos nos humilhar diante dele e uns dos outros e apenas exaltar a Cristo.
5. Trabalhamos somente pela salvação de almas e queremos dar espaço ao Espírito Santo na Assembleia de Deus para que os dons do Espírito se manifestem, como na primeira era cristã.
Até agora, os amigos na Suécia e nos Estados Unidos cooperaram conosco por meio de suas orações e recursos financeiros, que eles nos enviaram por meio da orientação do Espírito Santo, e desejamos trabalhar dessa maneira até que Jesus volte.
Juramos e publicamos por Jesus e pelo Brasil.
Gunnar Vingren
Em 1930, pastor Lewi Pethrus, após participar da primeira Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, na AD de Natal (RN), escreveu cinco artigos sobre a obra missionária brasileira no jornal sueco Evangelii Härold (Arauto do Evangelho). No artigo Mera Frän Konferensen i Natal, Brasilien (Mais sobre a Convenção em Natal, Brasil),[6] Pethrus tranquiliza os irmãos suecos ao informar que verificou durante sua visita que Gunnar Vingren, Daniel Berg e os outros missionários não haviam organizado uma denominação pentecostal no Brasil. Esclareceu que esta foi uma acusação falsa que fora feita a respeito dos missionários entre os irmãos suecos. Pethrus acrescentou que Vingren e todos os outros missionários enviados e apoiados pela Svenska Fria Missionen (Missão Sueca Livre) estavam alinhados com o modelo de igreja local livre, declarando aprovação unânime da visão bíblica de congregações independentes, entre as quais deveria haver cooperação espiritual, mas sem uma organização denominacional.
Abaixo, destaco trechos em tradução livre, da reportagem escrita por Lewi Pethrus:
"Nos últimos anos, na Suécia, recebemos a informação de que a missão no Brasil estava organizada numa denominação bastante forte. Aquele que enfatizou isso nos disse que esta organização tinha sua sede no Pará. Agora escreverei sobre a missão no Brasil, refutando definitivamente todas essas afirmações e notificando aos amigos na Suécia, sobre como realmente são os fatos. A situação é que o primeiro salão de cultos no Pará foi comprado por três dos missionários e eles se organizaram para uma sociedade legal, algo equivalente a um comissão de obras, para que em nome da congregação local fosse dono da propriedade, porque de outra forma não conseguiria registrar a propriedade no cartório. Esta comissão foi organizada apenas para tal propriedade, que pertence à assembleia do Pará."
"A. P. Franklin,[7] alguns anos atrás, visitou o Brasil. Ele trabalhou muito para conseguir que esta pequena comissão de obras se expandisse para uma organização, que incluiria a missão em todo o Brasil. Porém esta proposta nunca foi aceita pelos missionários, razão pela qual nunca existiu a pretendida organização."
"Os missionários no Brasil estão em questões organizacionais totalmente na mesma posição que as assembléias livres na Suécia. Eles declararam a aprovação unânime da idéia bíblica de congregações independentes, entre as quais de fato deve existir uma cooperação espiritual sem denominação, mas nenhuma organização como aquela de que agora foram acusados de desejar e até praticar."
"Nos últimos anos, alguns de nossos missionários, e especialmente os dois pioneiros da missão em questão [Gunnar Vingren e Daniel Berg], foram expostos à culpa de uma pessoa, que deveria ser desencubida de seu cargo. Neste caso, foi tão longe que um de nossos irmãos, na primavera de 1929, correu o risco de perder o apoio financeiro de seu país de origem. Poderiam ter sido evitadas cartas decepcionantes e reprovadoras que ele repetidamente recebeu da Missão Sueca Livre. Ele não suportava mais toda essa desconfiança, da qual abundavam as cartas da Suécia."
"Este missionário foi Daniel Berg. Também outros missionários da missão foram submetidos a repreensões injustificadas."
"Como agora tive a oportunidade de me encontrar com todos os missionários brasileiros, exceto os amigos Nordlunds do Rio Grande do Sul, que tenho todos os motivos para acreditar e concordar com eles. Descobri que os missionários tinham total confiança uns nos outros e queriam o bem de cada um."
"Um apelo caloroso é dirigido a todos, que ouviram e talvez acreditaram nos julgamentos depreciativos, como neste caso de A. P. Franklin, divulgados sobre nossos queridos missionários, que já por muitos anos sacrificaram e arriscaram suas vidas na obra de Deus no Brasil. Foi uma calúnia, cujo objetivo é destruir a confiança de pessoas irrepreensíveis e prejudicar a obra de Deus no glorioso reavivamento pentecostal."
"Também foi ouvido na Suécia a suposição de que nossos missionários permaneceriam divididos nessa batalha envolvendo a Igreja Filadélfia no outono passado em Estocolmo. A igreja na Suécia, para manter sua pureza e liberdade, suportou muita angústia. Os missionários, que estavam reunidos em Natal, me pediram para informar aos pentecostais da Suécia e à Igreja Filadélfia em Estocolmo, que todos eles estão com a posição acima mencionada nas questões debatidas."
"Nos últimos anos, houve algum desgaste em nossas operações, tanto na Suécia quanto nos campos missionários, de modo que algo quis entrar em nosso meio, o que tem sido estranho à essência do avivamento pentecostal. Mas nós, graças a Deus, já iniciamos um caminho maravilhoso para reviver a gloriosa unidade do Espírito, como antes sempre caracterizou esse avivamento divino."
"Finalmente, gostaria de declarar as palavras finais em uma pequena carta, escrita pelo corpo missionário e pelos participantes nacionais na convenção [de Natal], relatada à Igreja Filadélfia em Estocolmo, devido à minha visita ao campo missionário."
"O que quero citar aqui mostra o espírito que prevalece entre os missionários e obreiros nacionais neste nosso grande e importante campo missionário: A convenção foi maravilhosa. Todas as perguntas sobre as quais conversamos, foram resolvidas de uma maneira maravilhosa. Deus tem estado entre nós, a paz e a unidade prevalecem entre todos nós, missionários e obreiros nacionais. Enviamos a todos uma calorosa saudação fraternal a todo o povo pentecostal da Suécia e desejamos sempre estar incluídos em suas intercessões.
Natal, Brasil, em 10 de setembro de 1930
(Assinaturas)"
[1] Pastor A. A. Holmgren foi um dos principais líderes das Assembleias de Deus Escandinavas nos Estados Unidos nas décadas de 20 e 30 do século 20. Ele foi amigo de Gunnar Vingren e de outros missionários suecos atuando no Brasil. Holmgren participou da Convenção Geral da CGADB em 1936, realizada na AD de Belém do Pará e teve papel fundamental na resolução que autorizou a Assembleia de Deus norte-americana enviar missionários para o Brasil. Veja Dicionário do Movimento Pentecostal, Isael de Araujo, CPAD, p. 305.
[2] Os antigos pentecostais escandinavos (suecos, noruegueses, finlandeses) e também os pentecostais nos Estados Unidos, defendiam e ensinavam o dogma da igreja local livre, em contraponto ao modelo eclesiológico das denominações protestantes tradicionais, especialmente a igreja luterana que era estatal e seus sacerdotes eram assalariados pelo Estado. Veja "IGREJA LOCAL" no Dicionário do Movimento Pentecostal, Isael de Araujo, CPAD, pp. 366, 367.
[3] Vingren escreveu em sua Agenda-diário de 1912 que ele e seu amigo Daniel Berg foram ordenados missionários pelo pastor William H. Durham na Missão da Avenida Norte, em Chicago. Durham foi um dos maiores expoentes do movimento pentecostal nos Estados Unidos, sucessor de William J. Seymour da Rua Azusa, em Los Angeles. Sua Missão em Chicago se tornou o grande centro do pentecostalismo norte-americano após Azusa.
[4] Vingren registrou o Estatuto da igreja de Belém do Pará no Cartório de Registro de Títulos e Documentos do 1º ofício, em Belém, no Livro A, Nº 2, de Registro Civil de Pessoas Jurídicas e outros papéis, número de ordem 131.448, em 11 de janeiro de 1918, sob o nome de Sociedade Evangélica Assembléia de Deus. Os sócios fundadores foram Gunnar Vingren e Daniel Berg e a administração era realizada pelos dois fundadores mais o missionário Samuel Nyström. Com esse registro, a igreja começou a existir legalmente como pessoa jurídica adequando-se aos Artigos 16 e 18 do primeiro Código Civil Brasileiro que acabara de entrar em vigor em 1º de janeiro de 1917. Veja Dicionário do Movimento Pentecostal, Isael de Araujo, CPAD, p. 41.
[5] Como já explicado anteriormente, as igrejas evangélicas que não se organizavam e nem pertenciam à denominação luterana, estatal, na Suécia, eram consideradas igrejas livres (fri), principalmente os batistas e, posteriormente, as igrejas pentecostais.
[6] Evangelii Härold, Nº 43, 722, 23 de outubro de 1930.
[7] Dr. Franklin (1877-1939), como era conhecido na Suécia, foi o primeiro secretário executivo da Missão Livre sueca, que enviava e sustentava missionários suecos pentecostais para o mundo. Franklin visitou o Brasil em 1926 e promoveu uma conferência com os missionários suecos no Rio de Janeiro. Ele defendia um modelo de missões mais alinhado com o modelo das Assembleias de Deus norte-americanas, diferente da visão missionária da Igreja Filadélfia, liderada por Lewi Pethrus. Nos anos 30, houve grande embate e divergências entre Franklin e a liderança da Filadélfia, resultando na sua exclusão do movimento pentecostal. Ele acabou fundando sua própria igreja com o nome de Assembleia de Deus. Veja Dicionário do Movimento Pentecostal, Isael de Araujo, CPAD, pp. 200, 321, 322; "Ett slutord om den Franklinska uteslutningen" (uma palavra final sobre a exclusão de Franklin) em Evangelli Härold, Nº 43, 726, 23 de outubro de 1930.
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Pastor Carlos Roberto Silva
Point Rhema