A onda de intolerância que inundou o Brasil nestes últimos
tempos trouxe à tona, mais uma vez, uma de suas formas cruéis: o racismo. Ele
sempre se fez presente no País na composição cultural da pirâmide social, no
simbolismo da existência de "elevador social" e "elevador de serviço" nos
edifícios, na abordagem de “suspeitos” por policiais e seguranças privados, nos
números que refletem o quadro socioeconômico, na violência contra religiões de
matriz africana, entre outras situações.
Estas práticas sociais foram historicamente camufladas sob a
ideologia da "democracia racial". Com ela, comumente vem a frase ouvida e lida
entre nós: "Não existe racismo no Brasil".
A noção de raça, construída para justificar a desigualdade e
a exploração da África e da Ásia pelos europeus, foi demolida com o
desenvolvimento do Projeto do Genoma Humano nos EUA no fim do século XX. Os
resultados mostraram que as diferenças genéticas entre negro e um branco não
existem. Nesse sentido, o conceito de raça pode ser aplicado a animais não
racionais, mas não aos humanos. Entre homens e mulheres, só há uma raça, a
humana.
No Brasil, esta constatação só fez consolidar progressos
sociais em curso na superação do racismo. Da Lei Afonso Arinos (1390/51), que
proibia a discriminação racial, à "Lei Caó", 7716/89, do deputado Carlos
Alberto Caó Oliveira dos Santos, houve significativo avanço, alavancado pela
Constituição Cidadã de 1988. Foram tipificados os crimes decorrentes de
preconceito e discriminação de cor e estabelecida pena de prisão ao crime de
racismo.
O que chama a atenção agora é que o racismo tem se revelado
forte e mais visibilizado, em especial pelas mídias. O último caso evidente, o
do jornalista William Waack, que pronunciou o dito popular "é coisa de preto" para condenar uma atitude alheia, é bem emblemático. Largamente criticado,
suspenso das suas atividades na tela da tevê, recebeu ampla defesa pública com
os argumentos "apenas brincou", "uma fala infeliz", "não teve a intenção de
ofender".
Importa lembrar que qualquer ideologia se naturaliza pela
linguagem e, mais, o que dizemos ou escrevemos é a externalização de nós
mesmos. Não existe "fala sem intenção", piada ou brincadeira que não seja a
expressão das noções e valores que são significados da nossa vida e da nossa visão
de mundo. O que dizemos ou escrevemos é o espelho do que nós acreditamos e
somos. Como bem diz Jesus de Nazaré, nos registros da Bíblia cristã: "Porque a
boca fala do que está cheio o coração" (Mateus 12.34).
Estamos próximos do 20 de novembro, Dia da Consciência
Negra, data que exalta e recupera a resistência e a luta da população negra no
Brasil. Uma oportunidade de reflexão sobre este tempo que demanda, cada vez
mais, a superação de toda intolerância.
Nesse sentido, presto aqui minha homenagem aos evangélicos
negros do Brasil, que têm baseado sua fé no Deus que fez os seres humanos, com
cores distintas, à sua imagem e semelhança. São fiéis que empenham suas vidas
na resistência contra o racismo e na luta por justiça e igualdade, inclusive
dentro das próprias igrejas, e nos ensinam e inspiram.
Destaco na Igreja Metodista o pastor Antônio Olímpio de
Sant’Ana, fundador da Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo
(CENACORA), nos anos 1980. A leiga Marilia Schuller, que serviu por 14 anos nos
projetos de superação do racismo do Conselho Mundial de Igrejas, e segue em
atuação. O pastor Melchias Silva, com o projeto Atitude Afro, e a busca de
justiça para população negra dentro e fora das igrejas. O pastor Welinton
Pereira da Silva e seu engajamento em processos de inclusão social. As leigas
Diná da Silva Branchini, Keila Guimarães e Maria da Fé Vianna, em seus esforços
por ações afirmativas. As pastoras Maria do Carmo Kaká Lima e Lídia Maria de
Lima, empenhadas no fazer teológico sob o olhar da mulher negra.
Da tradição Batista recordo o pastor Marco Davi de Oliveira,
liderança do Movimento Negro Evangélico, autor do livro "A religião mais
negra do Brasil: Por que os negros fazem opção pelo pentecostalismo". Sua
parceira e esposa Nilza Valéria Zacarias, jornalista que atua na Frente
Evangélica pelo Estado de Direito, ao lado do pastor Ariovaldo Ramos, também
disseminador da causa negra entre evangélicos. O jovem pastor Henrique Vieira,
ativista na política institucional e nas mídias alternativas, com ações e
apelos pela igualdade e a justiça. O teólogo Ronilso Pacheco, ativista social e
autor do livro "Ocupar, Resistir, Subverter: igreja e teologia em tempos
de violência, racismo e opressão" (Editora Novos Diálogos).
Entre presbiterianos, há nomes históricos, como o pastor
Jovelino Ramos, perseguido pela ditadura e exilado em 1968, e o pastor Joaquim
Beato, incansável propagador da busca por igualdade racial dentro das próprias
igrejas. Entre os mais jovens está o pastor Eduardo Dutra, ativista do movimento
negro evangélico.
Estes certamente representam outros tantos e a lista iria
mais além. Vocês, leitores, podem completá-la. A paz e a justiça agradecem.
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Pastor Carlos Roberto Silva
Point Rhema