Quase metade dos entrevistados nasceu em uma crença diferente da que tem hoje.
— Deixei de ser católica quando parou de fazer sentido para mim. Hoje, minha fé assimila elementos de várias religiões e figuras inspiradoras que não necessariamente têm a ver com religião. Eu me considero espiritualizada: acredito em Deus, oráculo, signo, no sagrado feminino — lista ela.
— E acho que isso é geracional. Enquanto minha mãe e minha vó são muito católicas, por exemplo, conheço várias pessoas da minha idade que creem a seu próprio modo.
Esse cenário de fé múltipla é sinalizado em uma pesquisa inédita que será apresentada no XI Congresso de Medicina e Espiritualidade (Mednesp), realizado entre os dias 14 e 17 de junho, no Riocentro. O estudo, que avaliou o comportamento religioso e espiritual do brasileiro, revela que 44% das pessoas se consideram seguidoras de duas ou mais religiões, e 49% nasceram em uma religião diferente da que têm hoje. E o número de pessoas que se dizem espiritualistas é, pela primeira vez, significativo: se no Censo 2010 esse índice era de apenas 0,03% da população, na atual pesquisa chega a 4,4%.
Em relação a crenças, metade das pessoas entrevistadas acreditam em reencarnação. Mas ainda é maior o percentual das que acreditam em extraterrestres: 53%. A astrologia é defendida por 42% das pessoas, e 70% delas afirmaram já ter tido intuição pelo menos uma vez na vida.
Autor do estudo, o psiquiatra Mario Peres, pesquisador do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (ProSER) da Universidade de São Paulo (USP), destaca que os dados comprovam a fama de que o brasileiro tem um lado espiritual forte, e, em quase metade das vezes, pratica o sincretismo — mistura de diferentes cultos, com reinterpretações de seus elementos.
Um dos aspectos que mais chamaram a atenção do pesquisador foi a quantidade de pessoas que já tiveram experiências espirituais como ouvir (30%) ou ver (41%) pessoas mortas.
— Esses índices são muito mais altos do que a taxa de prevalência de esquizofrenia na população, tanto brasileira quanto mundial, que é de 0,5%. Então temos que entender esse fenômeno como algo natural do ser humano, e não necessariamente ligado a algum problema de saúde mental — avalia Peres, que coletou dados de uma amostra de mil pessoas acima dos 18 anos para realizar a pesquisa.
O psiquiatra ressalta também que o desenvolvimento de uma espiritualidade, seja ela qual for, costuma ter um “efeito benéfico protetor” sobre a saúde física, social e mental do indivíduo.
— É muito importante levar em conta a dimensão espiritual do paciente em qualquer tratamento. Sabemos, por meio de estudos científicos, que as pessoas superam melhor a depressão e a ansiedade, por exemplo, quando têm um lado religioso — destaca ele. — E não falamos aqui apenas de filiação religiosa. Esse efeito protetor pode ocorrer mesmo que a pessoa não tenha uma religião ou que tenha múltiplas religiões. O que faz a diferença é ela acreditar em algo e usar essa fé em prol do seu tratamento.
Existe até um termo para designar isso: coping religioso. Significa utilizar a religião como forma de enfrentamento de um problema de saúde. Peres afirma que este é um aspecto já bastante estudado na medicina, especialmente nas áreas de oncologia e de cuidados paliativos.
Presidente do Congresso de Medicina e Espiritualidade, o fisiatra Luiz Felipe Guimarães sublinha o quão forte é a relação entre saúde e espiritualidade. Segundo ele, até a imunidade do indivíduo aumenta quando ele intensifica suas crenças em algo sobrenatural.
— Cada pessoa é o que é a partir de sua cabeça, e não do seu corpo. Quando a mente está tranquila, equilibrada, o corpo reage melhor. Observamos que pessoas com mais religiosidade têm, em geral, pressão arterial mais baixa, mais controle do diabetes e, quando elas vêm a ter problemas de saúde, tendem a lidar com eles de forma melhor — afirma Guimarães. — Além disso, a doença conecta as pessoas. Então é principalmente na hora da doença que elas buscam acreditar em algo e são capazes de combinar diferentes crenças em harmonia.
O cardiologista Cláudio Domênico, que será palestrante do congresso, afirma que a temática espiritual, antes tão rejeitada no meio acadêmico, está aos poucos entrando nos currículos das faculdades de medicina.
— Cerca de 70% das doenças cardiovasculares têm como causa fatores comuns, como colesterol alto. Mas os 30% restantes vêm de hábitos negativos das pessoas, como ansiedade, desgosto, raiva. E isso está estreitamente ligado à espiritualidade — indica ele.
CARACTERÍSTICA CULTURAL DO PAÍS
Pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (Iser), o sociólogo Clemir Fernandes destaca que a cultura brasileira é historicamente mais propensa à assimilação de diferentes credos do que à rejeição.
— Muitos católicos e evangélicos assimilam práticas de culturas africanas e do espiritismo, mesmo que não se considerem seguidores dessas culturas. Conheço um pastor protestante que é também uma espécie de ogã do candomblé. Parece antagônico, mas isso é muito próprio da nossa formação brasileira — analisa.
Doutoranda em antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rosiane Rodrigues avalia que uma informação importante extraída da pesquisa é que o sincretismo religioso tem se fortalecido nos últimos anos, mesmo com o avanço do fundamentalismo religioso.
— Desde a década de 1970, há um avanço das igrejas neopentecostais, que têm demonizado religiões de matriz africana e outros credos. E é interessante ver que, apesar disso, a mistura de crenças também cresce — diz Rosiane.
Original publicado em O Globo via Notícias Cristãs
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Pastor Carlos Roberto Silva
Point Rhema