Refletindo sobre a função do Líder como Pastor e Administrador
Quando se fala em duas atividades distintas para uma só pessoa, a primeira impressão que se tem é a de "acúmulo de funções", o que no caso das leis trabalhistas compreende algumas implicações, entre elas, além da capacitação exigida, o pagamento da devida remuneração. Em algumas profissões, há inclusive discussões sindicais com correntes de pensamentos divergentes sobre a viabilidade ou não dessa modalidade.
Não é diferente no caso do Líder como pastor e administrador, (A isso o mundo acadêmico eclesiástico denomina de Bivocação) aliás, a primeira murmuração registrada na Igreja Primitiva foi por conta desse tema. A Igreja estava em seu início, quando surge a murmuração dos helenistas contra os hebreus, sob a alegação de que suas viúvas não estavam sendo bem atendidas na distribuição diária dos suprimentos, uma espécie de discriminação não proposital, mas motivada pelo acúmulo de funções dos apóstolos, senão vejamos o texto.
"Naqueles dias, aumentando o número dos discípulos, houve murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária. Então os doze convocaram a comunidade dos discípulos e disseram: — Não é correto que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas. Por isso, irmãos, escolham entre vocês sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, para os encarregarmos desse serviço. Quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra. O parecer agradou a todos. Então elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. Apresentaram estes homens aos apóstolos, que, orando, lhes impuseram as mãos". Atos 6:1-6 NAA
O crescimento da Igreja era de tamanha proporção, que os apóstolos realmente admitiram ter sentido a murmuração em tese, sendo necessário resolver o problema. Considerando que não lhes era possível acumular tais funções, manifestaram então as qualificações exigidas e a Igreja, portanto, fez a escolha e, eles impondo-lhes as mãos, delegaram aos diáconos o trabalho da administração social. Diante de tal iniciativa, tiveram tempo suficiente para se dedicarem exclusivamente ao trabalho espiritual de se consagrarem à oração e à Palavra. Naquele momento o problema foi totalmente resolvido com resultados positivos à Igreja, tanto que o crescimento doravante atesta o sucesso da resolução.
Até hoje, algumas Igrejas históricas, principalmente as de governo congregacional mantém esse sistema, onde há conselhos formados por diáconos e/ou presbíteros que se encarregam da administração material e financeira, enquanto seus pastores se dedicam exclusivamente às coisas espirituais. Em alguns casos os pastores presidem esses conselhos, e em outros nem deles participam.
Inicialmente, parece ser uma combinação com o custo-benefício perfeito, porém, sem fazer qualquer juízo de valor dos sistemas eclesiásticos, não é o caso da maioria das Igrejas Pentecostais, sejam elas clássicas ou não, onde os pastores lideram, auxiliados por um corpo diretivo que com ele cooperam nessa administração.
No primeiro momento temos a impressão de que o modelo implantado pelos apóstolos perdurou durante toda a existência da Igreja primitiva, mas não foi o que aconteceu. Se analisarmos os conselhos de Paulo a Temóteo, em sua primeira carta, provavelmente entre 10 e 15 anos após a eleição dos primeiros 07 diáconos, já existiam presbíteros que presidiam, além de se dedicarem também na pregação e no ensino da Palavra: “Devem ser considerados merecedores de pagamento em dobro os presbíteros que presidem bem, especialmente os que se esforçam na pregação da palavra e no ensino. Pois a Escritura declara: "Não amordace o boi quando ele pisa o trigo." E, ainda: "O trabalhador é digno do seu salário." 1 Temóteo 5:17-18 NAA
Paulo chega a orientar que eles sejam dignos de duplicada honra e/ou pagamento em dobro, pois tinham a incumbência de administrar, pregar o evangelho e ensinar o rebanho. Não se sabe exatamente como e nem quando aconteceu essa mudança, ou se foi acontecendo paulatinamente com o crescimento da Igreja. O certo é que houve a contextualização do sistema, por necessidade, senão de todas, mas de algumas congregações. Possivelmente havia igrejas que mantiveram o sistema original e outras que se adequaram à nova realidade por conta da sua necessidade. Paulo diz: "os presbíteros que presidem bem...", eram casos específicos, mas é certo que já havia alguns nessa condição de presidir, pregar e ensinar.
É lógico que, em sendo possível o Pastor se manter às atividades do ministério pastoral, como orar, se preparar exclusivamente para a pregação e o ensino, é algo extraordinário, porém, se na Igreja Primitiva já se tinha tal problema, imaginemos o grau de complexidade do tema nos tempos modernos.
É necessário lembrar que, quando falamos na função pastoral, não se restringe apenas à direção de cultos, pregação e ensino da Palavra, mas há de se levar em conta também o atendimento pastoral à membresia, como visitas, aconselhamentos à jovens, casais, famílias, e outras moderações entre os membros que requerem a presença do pastor da igreja, e isso não pode ser descuidado.
Usando o profeta Ezequiel, Deus falou aos pastores infiéis de Israel: "Vocês não fortaleceram as fracas, não curaram as doentes, não enfaixaram as quebradas, não trouxeram de volta as desgarradas e não buscaram as perdidas, mas dominam sobre elas com força e tirania. Assim, elas se espalharam, por não haver pastor, e se tornaram pasto para todos os animais selvagens. As minhas ovelhas andam desgarradas por todos os montes e por todas as colinas. As minhas ovelhas andam espalhadas por toda a terra, sem haver quem as procure ou quem as busque." – Ezequiel 34:4 NAA.
Mesmo delegando tais responsabilidades a líderes auxiliares e Departamentos específicos, é natural que em muitas situações a presença e fala do pastor da igreja são necessárias.
Naturalmente, em uma igreja madura, com mais tempo de fundação e uma membresia maior, há uma melhor compreensão, o que facilita uma melhor administração de tais situações, onde se pode filtrar os casos de menor importância através de auxiliares devidamente preparados, conforme o conselho de Jetro, o sogro de Moisés: "Procure entre o povo homens capazes, tementes a Deus, homens que amam a verdade e odeiam a corrupção. Coloque-os como chefes do povo: chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez, para que julguem este povo em todo tempo. Toda causa grave trarão a você, mas toda causa pequena eles mesmos julgarão; assim será mais fácil para você, e eles o ajudarão a levar essa carga. Se você fizer isto, e se essa for a ordem de Deus, então você poderá suportar e também todo este povo voltará em paz ao seu lugar. Moisés atendeu às palavras de seu sogro e fez tudo o que este lhe tinha dito". Êxodo 18:21-24 NAA
Outro ponto a se considerar é que, em que pese, dependendo do tamanho da igreja, termos a possibilidade de muitos presbíteros e pastores, o pastor da igreja será sempre um. Paulo escrevendo à igreja de Éfeso, declarou: "E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo". – Efésios 4:11-12 NAA, no entanto, no livro do Apocalipse, quando o Senhor Jesus se revelou ao apóstolo João escrevendo às 07 igrejas da Ásia, as endereçou ao pastor de cada uma em particular. Ao final, a palavra era sempre a mesma: "Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas", mas o endereçamento e responsabilidade recaía sobre o "anjo da igreja", ou seja, ao "pastor da igreja".
Espiritualmente, como vimos no texto acima, a igreja como organismo é assim que funciona e, do ponto de vista administrativo, como organização, também assim o é. Como organização, na constituição civil, através do estatuto, CNPJ e outros instrumentos dos órgãos públicos, a igreja sempre está atrelada ao CPF do seu principal líder, no caso o pastor da igreja.
A Igreja como corpo de Cristo não é propriedade do pastor, mas a responsabilidade da condução espiritual, segundo a Palavra de Deus é dele: "Obedeçam aos seus líderes e sejam submissos a eles, pois zelam pela alma de vocês, como quem deve prestar contas.(o grifo é meu) Que eles possam fazer isto com alegria e não gemendo; do contrário, isso não trará proveito nenhum para vocês". – Hebreus 13:17 NAA. Do mesmo modo, muito embora a personalidade jurídica da igreja não seja de sua propriedade, a responsabilidade da condução dessa, de acordo com as leis do país também é sua.
Em que pese muitos interpretarem de forma adulterada princípios elementares, a Bíblia não mudou, sendo que, o líder como Pastor ou Administrador, ou ambas as coisas, não passam de mordomos daquilo que é de Deus, ou seja, o verdadeiro dono da Igreja: "Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho no qual o Espírito Santo os colocou como bispos, para pastorearem a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue". (o grifo é meu) Atos 20:28 NAA.
Vimos até aqui muito claramente que, não se trata de uma tarefa fácil administrar tais responsabilidades. É necessário ter capacitação espiritual e de vida. No mundo secular, qualquer profissional precisa provar, normalmente, apenas a sua capacitação técnica, mas no caso daqueles que são chamados por Deus, essa capacitação vai muito além, e não para por aí, é preciso cuidar também e ter o domínio da sua família: "Fiel é a palavra: se alguém deseja o episcopado, excelente obra almeja. É necessário, pois, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, moderado, sensato, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar;3 não dado ao vinho, nem violento, porém cordial, inimigo de conflitos, não avarento;4 e que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito.5 Pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?" – 1 Temóteo 3:1-5 e ainda: "Se alguém não tem cuidado dos seus e, especialmente, dos da própria casa, esse negou a fé e é pior do que o descrente". – 1 Temóteo 5:8 NAA
Todos os cuidados acima são inerentes àqueles a quem Deus chamou para a função pastoral, agindo assim terão o respeito tanto dos que estão de dentro como dos que estão de fora, e isso em todos os âmbitos, ou seja, o líder, tanto como pastor e também como administrador, deve ser considerado. Seu currículo espiritual, teológico, conjugal, familiar, comercial, financeiro e administrativo deve ter boa aprovação diante de todos. Segundo a Palavra de Deus, deve ser o "Exemplo dos Fiéis": "Ninguém o despreze por você ser jovem; pelo contrário, seja um exemplo para os fiéis, na palavra, na conduta, no amor, na fé, na pureza". 1 Temóteo 4:12 NAA
O jovem pastor Temóteo não deveria ser rejeitado, muito menos desrespeitado pela sua tenra idade, em contrapartida, o preço a ser pago por ele, seria ser o exemplo dos fiéis em todas as coisas: "na palavra, na conduta, no amor, na fé, na pureza". Qualquer deslize em um desses quesitos o inviabilizaria como líder e pastor.
O líder da igreja, quer como pastor ou como administrador, normalmente é escolhido dentro do rebanho do Senhor, portanto, trata-se de um dos seus servos. Não é comum, muito menos bíblico, pessoas estranhas ao organismo para tais serviços, mas de entre os Ministros de Cristo e, para tanto, existem as qualificações pertinentes e, entre elas, a fidelidade também é de vital importância: "Assim, pois, importa que todos nos considerem como ministros de Cristo e encarregados dos mistérios de Deus. Ora, além disso, o que se requer destes encarregados é que cada um deles seja encontrado fiel". 1 Coríntios 4:1-2 NAA.
O líder que se encontra encarregado de tais responsabilidades, não deve ser um impostor que vive dando "carteirada" nos outros, mas deve ser considerado e respeitado naturalmente pela sua fidelidade ao Senhor e à igreja. Deve ser dotado de autoridade espiritual: "ser apegado à palavra fiel, que está de acordo com a doutrina, para que possa exortar pelo reto ensino e convencer os que contradizem este ensino." – Tito 1:9 NAA
O líder como pastor e administrador deve ter cuidado de si mesmo: "Cuide de você mesmo e da doutrina. Continue nestes deveres, porque, fazendo assim, você salvará tanto a si mesmo como aos que o ouvem". 1 Temóteo 4:16 NAA – um detalhe muito importante no conselho acima ministrado pelo apóstolo Paulo a Temóteo é que, antes de cuidar da doutrina e dos outros e aqui acrescento, da administração, tenha cuidado de si mesmo.
Se o líder não estiver bem com sua saúde física, mental e espiritual, não tem como cuidar das demais coisas do Reino de Deus. O acúmulo de tarefas, sem o devido equilíbrio, poderá acarretar prejuízos fatais à vida pessoal, família e ao ministério. Existem cuidados que o líder precisa tomar, e para isso é necessário muito equilíbrio, no sentido de que a obra de Deus não se torne mais importante do que o Deus da obra.
O acúmulo de tarefas pastorais e administrativas, como direção de cultos, atendimentos pastorais, reuniões, viagens, convenções, simpósios e eventos diversos, já são normalmente acima do natural, mas acrescentando-se ainda que, em a igreja crescendo, pode ganhar relevância e protagonismo, fazendo com que o líder seja muito mais procurado e absorvido por aquilo que naturalmente representa. A Igreja Primitiva se tornou relevante na sociedade de sua época, por conta da obra que realizava: "Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, o Senhor lhes acrescentava, dia a dia, os que iam sendo salvos". (O grifo é meu) Atos 2:46-47.
Nos dias de hoje, quando isso acontece, o assédio social é muito grande, seja pelas instituições e/ou autoridades civis, pelos compromissos ministeriais e denominacionais e até mesmo aqueles que veem a igreja meramente como um público consumidor, os quais marcam agendas que o líder finda atendendo por educação, mas praticamente sem qualquer resultado concreto. Se não houver atenção e equilíbrio, tais compromissos afastam o líder de bons momentos de oração, meditação na Palavra de Deus, devocionais, descanso e momentos com a família. Relembrando Paulo: "Cuide de você mesmo".
Há líderes que além de pastorear e administrar a igreja, também tem a tarefa de ensinar, atuando como escritores de livros, artigos, comentaristas de revistas para escolas bíblicas, palestrantes em Escolas de Obreiros e Escolas Teológicas, enfim, atividades que requerem tempo para estudos, pesquisas e meditação, um verdadeiro esforço hercúleo para se administrar.
É necessário muito equilíbrio. Poderíamos dizer que, do ponto de vista humano, numa linguagem contábil: "a contabilidade não zera" ou "o balancete não fecha", é preciso algo a mais, é preciso fazer a nossa parte e ainda acreditar no sobrenatural de Deus.
Enfim, para ser um Líder como Pastor e Administrador, não é para quem quer, mas sim para quem é chamado por Deus, valendo o conselho do escritor aos Hebreus: "E ninguém toma esta honra para si mesmo, a não ser quando chamado por Deus, como aconteceu com Arão". Hebreus 5:4 NAA
Se, fazendo tudo conforme a Palavra, com toda a sabedoria, discernimento e equilíbrio, e sobrar algum espinho na carne que venha nos esbofetear e tenhamos que suportá-lo, o Mestre tem o mesmo consolo dado ao apóstolo Paulo: "A minha graça é o que basta para você, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza." De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo". 2 Coríntios 12:9 NAA
Pr. Carlos Roberto Silva • Líder da Assembleia de Deus Ministério de Cubatão SP • Presidente da COMADESPE – Convenção dos Ministros das Assembleias de Deus no Estado de São Paulo e Outros • Relator do Conselho de Doutrina da CGADB
Artigo do publicado originalmente na edição de número 108 da Revista Obreiro Aprovado da CPAD
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Pastor Carlos Roberto Silva
Point Rhema