Provável sucessor de Raul Castro, Díaz-Canel representa geração pós-Revolução Cubana e pode modernizar o país sem alterar sistema político
O momento é histórico: pela primeira vez desde 1959, Cuba está prestes a se despedir da dinastia Castro — formada pelos irmãos Fidel e Raúl —, que esteve à frente do país desde a queda do ditador Fulgêncio Batista.
Quem deve assumir o governo no próximo 19 de abril é Miguel Díaz-Canel, atual vice-presidente do Conselho de Estado. Especialistas ouvidos pelo R7 apontam, entretanto, que as mudanças na situação política cubana após a transição devem ser comedidas.
Arturo Lopez-Levy, professor da Universidade do Texas no Vale do Rio Grande e autor do livro Raul Castro and the New Cuba: A Close-Up View of Change (Raul Castro e a Nova Cuba: Uma Visão da Mudança), lembra que Díaz-Canel já é um líder reconhecido do Partido Comunista que inclusive foi ministro da Educação no país.
— Ele alcançou essa posição atual graças a sua lealdade ideológica e obediência à linha do partido por várias décadas. Além disso, foi governador em duas províncias importantes, Villa Clara e Holguin, onde houve reformas estratégicas em termos de abertura ao investimento estrangeiro, propriedade privada e tolerância a temas como liberdade religiosa e orientação sexual. Há especulações lógicas sobre mudanças na política interna e externa que podem ocorrer como resultado das experiências anteriores de Díaz-Canel, mas não há nenhuma evidência que nos permita chamá-lo de reformista.
Raúl Castro deixaria o governo em 24 de fevereiro, mas teve seu mandato prolongado em dois meses por causa da "situação extraordinária" provocada pelo furacão Irma, que deixou um rastro de destruição na ilha em setembro passado, segundo a imprensa oficial. Ele está no poder desde fevereiro de 2008, embora governasse Cuba provisoriamente desde julho de 2006, por causa dos problemas de saúde de seu irmão, Fidel Castro (1926-2016).
Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), concorda que Cuba vive um momento de mudança de gerações no comando — e não de mudanças no sistema político.
— Obviamente não fica tudo igual. Essa geração que vai embora viveu a revolução e tem uma perspectiva do antes e do depois. A que chega agora tem outras prioridades, talvez seja mais favorável a uma abertura política. Na minha opinião, temos que pensar em Cuba como pensamos na China, guardadas as devidas proporções de tamanho e economia. Provavelmente haverá uma abertura política gradual, mas que nunca coloque em questão o sistema político do Partido Comunista como o único interlocutor.
O papel da oposição
Como única legenda oficialmente reconhecida em Cuba, o Partido Comunista provavelmente continuará fazendo o que pode para conter os movimentos oposicionistas durante o mandato de Díaz Canél, de acordo com o professor José Maria de Souza, doutor em Ciência Política e especialista em América Latina das Faculdades Integradas Rio Branco, de São Paulo.
— Hoje, não há nenhum partido em Cuba reconhecido como oposicionista. O que existe são grupos como Otro 18, Candidatos por el Cambio (Candidados pela Mudança, em português) e Partido Autônomo, mas nenhum desses conseguiu emplacar um candidato na Assembleia Nacional. Os relatos que a gente ouve são de que é muito difícil ter oposição em Cuba, já que há sanções sociais — como exclusão e afastamento — para quem tem discursos oposicionistas dentro do país.
Lopez-Levy, por sua vez, acredita que nenhuma possibilidade deve ser descartada em termos de crescimento da oposição.
— Há muito espaço para uma oposição política crescer em Cuba. A zona de dissidência, descontentamento e não conformidade contra o sistema de partido único não é pequena. A probabilidade de uma crise com dimensões políticas também não pode ser descartada, já que o governo não tem mostrado grandes progresso para colocar a economia em um caminho sustentável.
O especialista da Universidade do Texas ressalta, entretanto, que qualquer avanço não depende exclusivamente de movimentos de dentro da ilha.
— Nenhum desses fatores de descontentamento criará espontaneamente uma oposição viável dentro de Cuba. A associação da maioria dos opositores políticos com programas patrocinados pelos Estados Unidos e a falta de críticas contundentes contra a política de embargo e seus promotores em Miami constituem obstáculos permanentes para o crescimento da oposição.
Relações com os EUA e economia
Parte da abertura das relações entre os EUA e a ilha que foi retomada em 2014, aliás, deve continuar suspensa agora que Donald Trump anunciou o retorno das restrições a viagens individuais de americanos para Cuba.
Em anúncio feito em junho de 2017, o presidente dos EUA também cancelou as transações comerciais entre empresas dos EUA e entidades militares cubanas ligadas às Forças Armadas Revolucionárias. O fim do embargo, desta forma, continua distante, conforme lembra o professor José Maria de Souza.
— Eu acho difícil o embargo ser suspenso. O Donald Trump é um caçador de polêmicas, mas podemos perceber que Cuba não é a bola da vez nas políticas dele — há a Coreia do Norte e as questões com a Rússia para serem tratadas neste momento. Cuba pode vir a ser um assunto no futuro, mas parece que agora ele não vai tocar nessa tecla o tempo todo.
Arturo Lopez-Levy, por outro lado, não deixa de analisar os efeitos positivos que uma eventual suspensão do embargo americano traria para a ilha — cuja economia ainda apresenta números modestos.
— O fim do embargo poderia ser muito importante na conjuntura atual, porque isso mudaria as questões e dinâmicas centrais para a liderança cubana. A ausência das restrições dos EUA traria necessariamente maiores expectativas de prosperidade econômica e exigências de respeito pelas diferenças políticas. Hoje, a principal questão para o sucessão de Raúl Castro é: poderia um novo líder tornar Cuba ainda mais resiliente e resistente ao embargo americano? Se as restrições acabarem, entretanto, essa questão seria: será que um novo líder pode reforçar a legitimidade do Partido Comunista criando, pelo menos, alguma prosperidade econômica?
Dados do relatório Salário Médio em Cifras 2016, divulgado em junho de 2017 no site do Escritório Nacional de Estatística e Informação da ilha, apontam que o salário médio mensal em Cuba em 2016 foi de 740 pesos cubanos, equivalentes a pouco mais de 90 reais. O PIB do país em 2015, por sua vez, foi de US$ 87,7 bi (aproximadamente 273,81 bilhões de reais), segundo o Banco Mundial.
Fonte: CPAD News
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