RIO - As celas exclusivas para evangélicos, que existem em quase todas as penitenciárias do Rio, são apenas um sinal da numerosa presença de detentos desta religião no estado. Das 100 instituições aprovadas pela Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) para fazer assistência espiritual nos presídios fluminenses em 2015, 81 são igrejas evangélicas — 47 de denominação pentecostal, 20 de missão e 14 de outras origens.
Elas são seguidas por oito instituições católicas, seis espíritas, três da denominação Testemunhas de Jeová, uma de origem umbandista e outra judaica. Juntas, elas têm 1.194 voluntários, como o missionário Edson Lisboa, de 84 anos, da Igreja Universal do Reino de Deus, que define as prisões como “hospitais espirituais".
Edson trabalha há 25 anos na Penitenciária Esmeraldino Bandeira, no Complexo de Gericinó. Lá, com 1.425 detentos, oito instituições religiosas se revezam, de segunda a sexta, com diferentes atividades — cada uma tem um horário por semana agendado, com cerca de duas horas de duração. São seis igrejas evangélicas, uma católica e um centro espírita.
— Eu adoro estar aqui. Faço isso para Jesus, para Deus, é um prazer — diz Edson.
Com o mesmo entusiasmo, o detento Ronaldo da Cruz Magalhães, de 49 anos, diz que o templo de sua unidade é o "mais organizado e antigo". Segundo ele, a Igreja Evangélica Esmeraldino Bandeira existe há 57 anos e recebe líderes da Primeira Igreja Batista de Éden, da Igreja Batista Vieira Fazenda, da Igreja Universal do Reino de Deus, da Primeira Igreja Batista em Parque União, da Igreja Metodista Wesleyana e da Igreja Assembleia de Deus em Bangu. Antes de se envolver com o tráfico de drogas, Ronaldo era pastor e, hoje, coordena, como "pastor interno", atividades como cultos, batismos, uma banda e um coral.
A presença dos evangélicos no sistema penitenciário é, segundo o pesquisador Clemir Fernandes, incontestavelmente mais numerosa e disseminada. O sociólogo é coordenador da pesquisa "Assistência religiosa em prisões do Rio de Janeiro: um estudo a partir da perspectiva de servidores públicos, presos e agentes religiosos (e uma proposta de recomendação à Seap)", do Instituto de Estudos da Religião (Iser), que deve ser publicada nas próximas semanas.
— Esta predominância acompanha uma tendência de crescimento dos evangélicos na sociedade, apontada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na pesquisa, percebemos que tanto para os detentos quanto para os funcionários das penitenciárias, a presença religiosa tem um efeito apaziguador e calmante em um ambiente muito tenso — destaca Fernandes, referindo-se ao crescimento de 61% dos evangélicos entre os Censos de 2000 e 2010.
Separação em celas fere lei
Segundo Teresinha Teixeira de Araújo, assistente social da divisão de planejamento e intercâmbio setorial da Seap, ainda não existe consenso sobre o impacto na rotina prisional da separação dos evangélicos em celas — só no Esmeraldino Bandeira, o espaço tem 76 detentos. Mas, segundo a pesquisa do Iser e o entendimento de Luciene Ferreira, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), a divisão fere a Lei de Execução Penal, que determina separação por tipos de delito.
— Eu não posso dizer se a divisão é positiva ou negativa. Isso ainda está em pauta. A princípio, pensamos na segregação como algo negativo, mas ela pode ser benéfica para não incomodar detentos não-religiosos com vigílias e cultos nas celas, por exemplo — afirma a assistente social.
A construção de espaços religiosos que identifiquem, por meio de aspectos visuais, uma determinada religião também é vedada pela resolução 08/2011 do CNPCP. O Iser recomenda, em seu estudo, que as penitenciárias ofereçam ambientes ecumênicos — o direito é assegurado pela Lei de Execução Penal. Mas, segundo Teresinha, grupos minoritários, como os espíritas, acabam não reivindicando espaços destinados à atividade religiosa, preferindo outras áreas das prisões, o que leva à formação de templos e capelas.
Segundo a Seap, o processo burocrático para a criação de espaços religiosos envolve o requerimento ao secretário da pasta. Caso aprovada, a construção é arcada pelo próprio solicitantes.
Para Clemir Fernandes, uma das constatações mais surpreendentes da pesquisa que coordenou foi a percepção de que o vínculo dos detentos com as atividades religiosas não se justifica somente pela espiritualidade. O estudo, de caráter qualitativo, foi realizado no segundo semestre de 2014 em duas unidades prisionais (uma feminina e outra masculina) do Complexo de Gericinó — os pesquisadores preferiram não identificá-las.
— Esta adesão, por vezes, é temporária e não necessariamente ligada à fé. Estas atividades religiosas têm também funções de sociabilidade e afetividade. O preso negocia com o que está disponível ali, naquele ambiente. Encontramos por exemplo, durante a pesquisa, um muçulmano que participava de atividades evangélicas — aponta o sociólogo.
INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Conselheira do CNPCP, Luciene Ferreira acredita que a presença religiosa é benéfica para o sistema prisional se supervisionada pelos órgãos públicos. Teresinha de Araújo destaca que a Seap tem tentado garantir a diversidade através da capacitação de agentes religiosos, realizada em parceria com o Iser, e da abertura do credenciamento para todos os grupos:
— É claro que é preciso ter cuidado com os riscos à segurança e com o proselitismo que estes grupos podem apresentar. Mas acredito que a maioria está lá para o bem. As instituições e as equipes multidisciplinares têm tentado mediar estas questões.
Com informações: O GLOBO
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Point Rhema