por Miriam Leitão
Na entrevista que fiz esta semana com Marina Silva não perguntei de religião. Foi proposital. Ao me preparar para a entrevista, me dei conta de que já entrevistei muitos candidatos à Presidência, nas últimas cinco eleições, e nunca perguntei a qualquer dos candidatos se, de alguma forma, suas convicções religiosas seriam parte do programa de governo. E eles tinham religião.
As perguntas sobre a religião evangélica de Marina Silva aparecem de várias formas, são recorrentes, todas revelam o mesmo temor: o de que ela imponha ao país, caso eleita, suas crenças religiosas através do currículo escolar ou padrões de comportamento. Um temor que mais parece preconceito. Primeiro, ela não tem esse perfil autoritário, aliás é uma pessoa pública que marcou sua vida pelo diálogo. Segundo, e mais importante, nós temos uma democracia forte, vibrante, capaz de reagir a quaisquer tentativas de cerceamento da liberdade individual. Veja-se a tentativa do governo Lula de impor o controle da imprensa, em 2003, através de uma agência de audiovisual e de um conselho de jornalistas. Não deu certo. Em outros países latino-americanos, os governantes foram bem mais sucedidos.
Ninguém pergunta a um candidato católico se ele vai proibir a pílula, exigir que os brasileiros não usem métodos contraceptivos, apesar de isso ser uma orientação do Vaticano para as famílias. Não teria cabimento essa pergunta, porque é claro que o candidato, se eleito, nem tentaria uma barbaridade dessas, e se tentasse, as famílias ignorariam. Mas à Marina a pergunta se ela implantaria políticas públicas baseadas na visão da igreja que frequenta aparece insistentemente.
O Brasil é um país laico e assim continuará. Marina está sendo vítima de erros de alguns políticos evangélicos que têm tentado transformar púlpito em palanque, o que é detestável da perspectiva religiosa e uma ameaça à qualidade da democracia. Fé e política são questões que devem estar separadas. Apesar disso, os candidatos em campanha sempre vão a eventos religiosos, de diversas confissões, num chamado indireto aos fiéis. Se visitar diversos cultos for uma demonstração de tolerância religiosa, é excelente; se for uma tentativa de manipular a escolha do eleitor religioso, é um retrocesso.
A grande questão é: por que Marina é crivada de perguntas sobre sua fé e não há a mesma ilação sobre o risco de transposição das doutrinas religiosas para as políticas públicas quando o candidato é da religião dominante no país? Aos outros, basta responder afirmativamente à pergunta clássica se acredita em Deus. E nisso aí, há uma hipocrisia: só se aceita como boa a resposta positiva, como se o Brasil não pudesse ser governado por um agnóstico.
A imprensa brasileira lida de forma mais civilizada com questões da vida pessoal do que a imprensa de outros países. Há na americana uma obsessão puritana por saber quem tem ou teve amante; quem traiu ou não o cônjuge. Isso é tão definitivo que uma infidelidade conjugal pode acabar com a candidatura.
A imprensa brasileira só dá atenção a casos pessoais quando eles envolvem questões públicas. Um exemplo, o caso do senador Renan Calheiros. A pauta não era se o então presidente do Senado tinha uma filha fora do casamento, mas o fato de que as contas da mãe da filha eram pagas no escritório de uma empreiteira.
Temos sabido distinguir entre fatos da vida pessoal que pertencem à privacidade do candidato, daqueles fatos que se transformam em questões públicas. Já a imprensa americana tem compulsão por investigar a vida dos candidatos atrás de amantes pretéritas e presentes. Mas não temos passado bem no teste da escolha religiosa, se ela for qualquer uma que não a católica. O que é preciso, de novo, é fazer a distinção entre o que é assunto público do que pertence especificamente à pessoa do candidato.
A questão do ensino do criacionismo apareceu como um assunto público. A “Veja” perguntou a ela, em setembro do ano passado, se o criacionismo deveria ser ensinado nas escolas. Ela garantiu que jamais defendeu a ideia de criacionismo como matéria obrigatória. Explicou que a confusão surgiu porque, numa palestra num colégio adventista, diante de uma pergunta se o criacionismo poderia ser ensinado na escola, ela respondeu “desde que ensinem também o evolucionismo.”
A pergunta continuou sendo feita em cada entrevista. Eu particularmente acho que as religiões têm o direito de ensinar, em seus recintos, as suas crenças sobre a origem da vida e do aparecimento do ser humano no Planeta. Mas isso deve ficar restrito ao ambiente religioso. Nas escolas, o que se ensina é ciência. As bíblias católica e protestante, a Torá, o Corão, e outros textos religiosos têm a mesma explicação de um força superior criadora da vida. Se é assim geral, por que só à Marina essa pergunta é feita?
Me perguntei tudo isso ao me preparar para entrevistar Marina Silva e decidi que esse tema não estaria entre os que abordaria. Senti que só poderia fazer para ela perguntas sobre o risco de políticas públicas inspiradas em sua fé se tivesse feito as mesmas perguntas aos outros candidatos, de outras denominações religiosas, que tenho entrevistado em todas as eleições. Não tendo feito a eles, não fiz a ela.
Fonte: OGlobo
Nota:
Enquanto a revista Época tenta unir a imagem de Marina Silva a uma visão “evangélica ultrapassada”, entrevistando inclusive o seu pastor, a jornalista Miriam Leitão acertadamente fez questão de separar as coisas, dando uma aula de discernimento jornalístico.
Publicado aqui na blogosfera cristã, originalmente por Valmir Nascimento em seu blog:
Muito boa a matéria querido pastor.Uma prova de que nem tudo esta perdido.Temos ainda jornalistas sérios nesse país.
ResponderExcluirPs. Em tempo,magoei, tenho o seu blog sendo divulga em dois dos meus blogs e não achei os meus aí na lista do irmão.
isnif...isnif...isnif...
Caro colega
ResponderExcluirPr. Anselmo Melo,
Graça e Paz!
Grato pela confiança e cooperação em divulgar o meu singelo blog.
Agradeço também por sua participação e comentários, além de chamar minha atenção sobre a existência dos seus blogs.
Já fiz minha visita nos dois e já estão devidamente inseridos no meu bloglist.
Um grande abraço!
Seu conservo,
Pr. Carlos Roberto
A paz do Senhor P Carlos!
ResponderExcluirGosto muito de citar o Rm 8:33 "Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica"; Também Sl 37:23 "Os passos de um homem bom são confirmados pelo SENHOR, e deleita-se no seu caminho".
Muito se fala, se escreve, e ao mesmo se acredita. A mídia em todo seu contexto pode contribuir, mas também acabar com a imagem de qualquer um.
Por isso que o crente não deve preocupar com a sua reputação ( o que os outros pensam ou acham de vc), mas sim com o seu caráter ( que é o que Deus sabe sobre vc).
Parabéns pelo artigo, amado pastor.
Um forte abraço de seu servo em Cristo,
Luciano Vieira
Só para provocar, gostaria de saber se a humanidade viveu na barbárie desde os tempos bíblicos até o advento da pílula na década de 60. Pelo visto, a pílula foi mais importante que Jesus Cristo e viver sem ela seria um retorno ao Antigo Testamento.
ResponderExcluirO problema do laicismo não é com o protestantismo. Basta ser católico coerente que causa muito mais abalo.